Polilaminina: como pesquisadora mineira ajudou a trazer de volta os movimentos de quem lesionou a medula espinhal
Lesão na medula: bióloga e engenheiro de MG ajudaram em pesquisa para recuperar movimentos A bióloga e enfermeira Karla Menezes e o engenheiro ambiental Guil...

Lesão na medula: bióloga e engenheiro de MG ajudaram em pesquisa para recuperar movimentos A bióloga e enfermeira Karla Menezes e o engenheiro ambiental Guilherme de Freitas contribuíram, cada um a sua maneira, para o desenvolvimento de uma pesquisa que pode dar de volta a possibilidade de andar para quem perdeu os movimentos. Os dois mineiros são parte de uma descoberta pioneira da ciência brasileira. Trata-se do estudo da polilaminina, proteína extraída da placenta humana que ajuda pessoas e animais com lesões na medula espinhal. Ela recria em laboratório uma malha semelhante à laminina, proteína presente na fase embrionária que facilita a comunicação entre neurônios. Aplicada diretamente no ponto da lesão, a polilaminina ajuda os neurônios a restabelecerem conexões interrompidas, permitindo que o impulso elétrico volte a circular e possibilite movimentos. O estudo envolveu oito pacientes e seis cães paraplégicos, com resultados positivos em grande parte dos casos. ✅Clique aqui para seguir o canal do g1 MG no WhatsApp Karla faz parte da equipe de pesquisa, e Guilherme está entre os oito voluntários humanos que testaram a proteína (leia sobre cada um deles abaixo). Os estudos, ainda em fase experimental, já deixam pacientes com paraplegia ou tetraplegia esperançosos. A molécula surge como uma opção acessível e com resultados que, até o momento, chamam a atenção pela eficácia. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ainda precisa autorizar novos testes clínicos para garantir a segurança dos pacientes. Especialistas destacam o potencial revolucionário da terapia, mas pedem cautela até que os efeitos sejam confirmados em estudos maiores e mais controlados. Esta reportagem aborda os seguintes pontos: Acidente de carro incentivou Karla Menezes em estudo Estudos clínicos com seres humanos O que a pesquisa com polilaminina descobriu Guilherme de Freitas: uma vida mudada por um acidente Acidente de carro incentivou Karla Menezes em estudo Pacientes com lesões na medula recuperam movimentos com tratamento brasileiro em fase experimental Karla se formou em biologia e enfermagem. Assim que terminou a faculdade de biologia, sofreu um acidente de carro e por pouco não morreu. A pesquisadora teve lesões na coluna, mas sem consequências neurológicas e, por isso, não perdeu movimentos. Foi neste momento que ela decidiu se dedicar a estudar lesões medulares. Diante do interesse, colegas indicaram a pesquisadora Tatiana Sampaio (veja na reportagem do JN acima), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que estudava o tema desde 1999. Durante o mestrado, Karla realizou diversas cirurgias em ratos com lesões de medula espinhal. Ela presenciou, junto com toda a equipe, os primeiros resultados mais chamativos da pesquisa. "Eu fiz o mestrado e o doutorado com a Tatiana. No mestrado, eu testei a polilaminina em ratos, e aí descobrimos o efeito regenerativo. Testamos em três tipos de lesão. Nas mais graves, recuperaram até 50% dos movimentos", contou a pesquisadora. "Em 2016 começaram os testes em humanos e cães. Essa é uma pesquisa que reúne pessoas que trabalham com empenho, idealismo e com vontade de fazer diferença na vida das pessoas. É a ciência movida pelo sonho", afirmou Karla. O vídeo do Jornal Nacional de 9 de setembro contou sobre os testes que estão sendo feitos a partir da pesquisa: Na foto acima, de calça branca, a pesquisadora Karla Menezes com a equipe da UFRJ Arquivo pessoal Estudos clínicos com seres humanos A pesquisadora também participou dos estudos clínicos com seres humanos. Por ser enfermeira, foi coordenadora de pesquisa e acompanhava os pacientes. Ela acompanhou um caso que chamou muito a sua atenção: o do bancário Bruno Drummond de Freitas. Bruno sofreu um acidente de carro em 2018 que causou uma lesão cervical grave, com esmagamento completo de uma parte da medula espinhal. Com a aplicação da polilaminina, ele recuperou os movimentos. Neste momento especial para Bruno e toda a equipe da UFRJ, Karla estava presente. Ela compartilhou com o g1 o vídeo dos primeiros passos (veja mais abaixo). "O pai dele estava presente e disse diante de todos da equipe: 'foi emocionante ver você andar quando era pequeno, mas não posso descrever a emoção de ver você dar esses primeiros passos novamente'. Todos nós choramos juntos. Ver um paciente voltar a andar é muito gratificante", disse Karla. Pesquisa usa proteína da placenta para tratar lesão na medula O que a pesquisa com polilaminina descobriu São 25 anos de pesquisa. Os cientistas descobriram uma forma mais eficaz de usar a laminina, proteína natural presente no corpo humano, para estimular a regeneração de axônios, estruturas dos neurônios danificadas em lesões na medula espinhal. A principal inovação está na criação da polilaminina, uma versão polimerizada da proteína, ou seja, formada por várias unidades ligadas entre si, o que a torna mais estável e potente. A medula espinhal, localizada no interior da coluna vertebral, é responsável por transmitir informações entre o cérebro e o corpo. Quando há uma lesão, essa comunicação é interrompida, afetando movimentos e sensações. Embora a função regenerativa da laminina já fosse conhecida, os testes com a proteína isolada não mostravam resultados satisfatórios. Com a polimerização, os pesquisadores avançaram para avaliar a eficácia da substância em aplicações reais. Guilherme de Freitas: uma vida mudada por um acidente Era outubro de 2019 quando o engenheiro ambiental Guilherme Braga de Freitas saiu de Belo Horizonte para um casamento em Juiz de Fora, no interior de Minas. Próximo a Conselheiro Lafaiete (MG), o carro em que ele estava sofreu um acidente. O veículo caiu em um barranco e capotou. Guilherme acabou fraturando vértebras na coluna cervical. Amigos que já estavam em Juiz de Fora, ao saberem do acidente, foram ao hospital onde Guilherme estava internado, em Conselheiro Lafaiete. Um deles, na época, fazia doutorado na UFRJ e comentou com a família de Guilherme sobre a pesquisa com polilaminina. "Meus pais entraram em contato com a UFRJ e a minha condição atendia aos critérios da pesquisa. A equipe saiu do Rio de Janeiro e veio, poucos dias após o acidente, para fazer a aplicação. O uso da polilaminina foi bem imediato, e eu acredito que, graças a isso, eu tenha conseguido recuperar parte dos movimentos do braço", contou o engenheiro Meus tríceps são fortes para quem está numa condição como a minha. Com a fisioterapia, esportes, eu estou mais ativo. Hoje já consigo pegar meu filho no colo, ficar sozinho com ele em casa e isso não tem preço", afirmou. Guilherme ficou um tempo no Rio de Janeiro sendo acompanhado por uma fisioterapeuta ligada à pesquisa da polilaminina. Em Belo Horizonte, ele segue com o fortalecimento muscular e já consegue praticar esportes de movimentos complexos, como arco e flecha (veja vídeo abaixo). Paciente da pesquisa com polilaminina já consegue praticar esportes como arco e flecha. Guilherme de Freitas, com o filho Rafael, de 6 anos no colo graças a recuperação de parte dos movimentos do braço. Arquivo pessoal Vídeos mais vistos do g1 Minas